A síndrome da exploração mecanográfica



REFLEXÃO: Sentirmo-nos desorientados neste mundo cada vez mais globalizado, onde se investe, produz e se compram serviços com o valor do "dinheiro electrónico", aquele que só circula nos discos rígidos, é absolutamente natural! Natural também é que passemos a ser meros "operários electrónicos", números mecanográficos, registados pelo "clique" do relógio de ponto. Mais: Alarmante é a mudança sócio-cultural resultante de uma politica pós-industrialização sem qualquer respeito ou atenção pela dignidade de quem se dispõe a trabalhar e, actualmente, pelo mero indivíduo. Tornou-se uma obsessão ou, melhor (!), uma síndrome, olhar o operário com desdém e, consequentemente, os serviços que este presta a uma empresa são tidos como mera obrigação...
QUANDO...
... se cumpre apenas o horário estipulado, o funcionário é acusado de falta de interesse e entrega.
... há essa entrega e se oferece horas à "casa", o operário mecanográfico (desengane-se quem pensa que hoje em dia o empregado de escritório é em algo diferente do fabril!), só cumpre o seu dever.
... o trabalhador recebe o seu salário, tão desproporcionado quando relacionado com o seu valor curricular e profissional, a tendência é sentir-se constrangido.
REALIDADE: Aos olhos da sociedade actual, é quase um comportamento desviante pedirmos dinheiro à entidade patronal, afigurando-se esta, cada vez mais, com a imagem paternal (daquele pai que dava tareias como cinto no Século passado e não do que conta histórias ao deitar). Sim, afinal, é o nosso patrão que nos dá a mesada e, meus caros, irrompendo a sua voz, incessantemente, num dos raros momentos de ócio que nos são permitidos usufruir; qualquer coisa como: "Não venhas tarde" - diz-nos sem carinho.
CONVICÇÃO: Se pouca for a cautela, tornar-nos-emos, inevitavelmente, nos tais operários mecanográficos, criaturas submissas à autoridade do patrão, vermes sem amor próprio e odiosamente bajuladores, prontos para destruir a vida do próximo que atente contra a situação "confortável" na empresa. Ontem os patrões tomaram o poder, hoje a efectividade não é um posto em emprego algum, amanhã o operário será alvo de "apartheid-laboral", isto é, preconceito social para com títulos como "escriturário", "secretário", "jornalista", "pivot de televisão", "licenciado", os mesmos que se verão privados de entrar em sítios reservados aos patrões que, em Portugal, são, na sua maior parte, indivíduos sem qualquer formação profissional ou mesmo social, muitas vezes pouco inteligentes e, sem excepção, desumanos.
CONCLUINDO: Isto não é uma visão negra do futuro. Isso era-o o "Mil Novecentos e Oitenta e Quatro" de George Orwell. Mas acabou por acontecer! Quem é que ainda não acredita em profecias?!

Comentários

  1. É triste, a Europa que acreditou no espiríto da Revolução Francesa, não conseguiu transmitir isso ao resto do Planeta. Cada vez mais se agrava o fosso entre os ricos e os pobres. Ficaram no esquecimento a LIBERDADE, a IGUALDADE e a FATERNIDADE. A ganância impera no Planeta.
    Bom fim de semana

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  2. mesmo assim custa-me um pouco a crer em profecias...

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  3. Z que grandíssimo post que o meu amigo hoje resolveu trazer. Realmente a simbiose patrão-empregado é hoje quase totalmente vista em função de números em vez da relação humana. Este post faz-me lembrar uma conversa que tive com o meu chefe de trabalho que por sua vez é um dos accionistas da empresa , a uma dada altura da conversa eu pergunto o porque dos patrões só verem o mal que nós fazemos e nunca o bem? ao qual ele respondeu que o bem eu tinha que o fazer esta implícito e o mal não e era por isso que ele me pagava. Não sei se me estou a fazer perceber, mas os cabrões se fizera o mal é normal, porque a profissão deles é de riscos e a nossa? Não é só porque recebemos ao fim do mês aquela merda de salário? Tinha tanto para escrever mais fico por aqui, era engraçado voltar a falar sobre isto. Um abraço.

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  4. Zorze,
    você tocou no ponto. A relação "patrão x empregado" é objeto do meu trabalho, diariamente. Há muito eu gostaria de que o tema fosse "patrão e empregado", dois pratos da balança e não duas forças antagônicas. Mas está longe, ainda, o dia em que se verão, ambos, como parceiros.
    Parece-me que ainda se sonha muito em troca de posições. Empregados querem virar patrões e querem que os patrões virem empregados. Querem, enfim, "se vingar". Não é a saída. Mas, na verdade, também não me parece que se busca uma saída. A luta pelo poder está arraigada demais...

    Beijos de bom dia!

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  5. Excelente post, caro Zorze! Mesmo!
    Estamos a chegar ao fim da linha; até a imaginação futurista se esgotou. Adivinha-se qualquer coisa de irremediavelmente má e o regresso a uma nova pré-história, dando assim razão ao mito do eterno retorno! Grande abraço e parabéns!

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  6. zorze esta manhã esqueci-me de perguntar... conheces o meu patrão??? se o conheces diz-lhe que o trago atravessado na garganta mas que não há-de ser por muito tempo, só se não tiver mesmo outra hipótese...

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  7. Eu não duvido nada, Zorze.

    E acho, muito sinceramente, que quem pensa o contrário, está a ser utópico e está a virar as costas ao problema.

    Mas, isso como bem sabemos é muito típico nos Portugueses, costumo chamar-lhe a "política do deixa andar".

    Por isso, quanto a mim, já somos e continuaremos a ser, usando a tua terminologia: " operários mecanográficos", com tudo o que isso acarreta ao nivel social.

    Quanto a mim, o "apartheid-laboral", já existe, basta pensares em nós licenciados, que somos tratados como que se tivessemos lepra.

    E somos claramente impedidos, de exercer as nossas habilitações de forma justa.

    Se os colegas de trabalho tomam conhecimento deste facto, então é meio caminho andado para irmos para o "olho da rua".

    Mas, sem descriminações para pessoas com menos habilitações académicas, nós q andámos a estudar durante anos, andámos a preparar-nos para exercer a nossa profissão e somos ESPEZINHADOS por pessoas que não têm cultura nenhuma, nem maneira de estar, nem de se relacionar civilizadamente com as outras pessoas.

    A questão do "Jornalista", ou de um "Pivot de Televisão", a mim toca-me muito particularmente.

    Mas, não vou desistir, aliás como nunca fiz na vida.

    Isto n é nenhuma visão negra do futuro, é já a pura e dura realidade que andamos a viver!


    Beijinhos e parabéns pelo excelente artigo.

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  8. É por estas, e por outras, que eu não gosto de ter patrões e também não ambiciono ser patrão de ninguém, mas ser "livre" também tem o seu preço alto a pagar.
    A Suzi tocou num ponto muito importante: a maioria dos empregados sonha em ascender à posição de chefia e quando lá consegue chegar, em vez de exercer o cargo com humanidade, depressa se torna, não raras vezes, no mais duro " carrasco", dando assim razão ao velho provérbio "não sirvas a quem serviu". É uma coisa muito doida e sem resolução à vista.
    Um grande abraço e bom fim-de-semana!

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  9. Passei pela primeira vez e dou logo de caras com tão pertinente análise. Não me vejo aí muito reflectida, porque na minha actividade profissional não tenho um patrão, no sentido tradicional do termo, pelo que essa relação empregado/patrão praticamente não existe, mas conheço bem quem tenha e o teu retrato é fiel.
    O Orwell pode bem ter sido um profeta, quando escreveu sobre uma sociedade totalitária, como a que cada vez mais nos rodeia.

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  10. La única forma de bajar el perfil del patrón es la educación de la masa, ya que son ellos mismos los que dan el titulo al PATRON.
    Todo recurso que una nación pueda entregar a su pueblo es insuficiente en la educación, claro esta que las necesidades son variadas y bastantes , y a muchos no les es agradable invertir , para así seguir ostentando de los beneficios.
    *y*

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  11. Zorzinho...agora que abri o meu negócio e tenho pessoas a trabalhar comigo - não me consigo ver como patroa, e tento ser sempre o mais justa e humana possivel e por isso talvez me digam que sou muito mole - e espero por isso não ir à falência antes pelo menos de ter sucesso (já agora dava jeito :-). Mas não me vejo a ser de outra forma, nem a tentar chupar as pessoas até onde puder (como sempre vi fazerem), terá que dar resultado de uma forma justa, e compensar sempre quem trabalha comigo não só com palmadinhas nas costas (que sabem muito bem), mas também monetariamente (pois é do € que as pessoas vivem)

    Mas, mudando de assunto...estás bom, meu alienado?

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  12. Grande alienação não-alienada esta!

    Tocaste em quase todos os pontos-chave, diria que (provavelmente por não estares a pensar nessa perspectiva) te faltou na análise o lado negativo como algumas pessoas encaram o trabalho...

    Beijo da gata (e não sou patroa - deus me livre!)

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  13. Eu profecias só na Maia... patrão não sou, mas já tive mais de 50 pessoas a meu cargo e garanto que não alterei nem um centimetro a minha forma de ser. Só não figo se a minha foram de ser é boa!

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