A minha vida é uma sitcom

Por vezes, e só por vezes, acordamos. Estamos onde estamos sem aviso prévio. Enfim, na vida não se recebe cartas notificadas. Não fazemos ideia que na estação mais próxima dos CTT Correios nos espera um envelope com a encomenda pretendida. Não basta uma assinatura e um sorriso 33 da funcionária. Não sei porque digo 33; Cristo entrou na minha história e nem fazia intenções disso. Bom... vou deixar-me de rodeios e ir directo à motivação que me leva a escrever este breve apontamento. Tudo se inicia na redacção onde componho prosas de viagens sem viajar. Eis que me encontro na minha secretária, aquela que mais próxima está do canto direito da sala, isto para quem entre pelo único acesso possível: a porta! Tudo se desencadeia a uma velocidade vertiginosa por protagonistas espirituosos. Há uma última piada sobre o cotão no umbigo que não chego a entender, mas percebo a aflição propositada dos meus chefes em caçarem a maior quantidade de borboto possível das camisolas dos jornalistas presentes. O frenesim só terminou quando a matéria recolhida foi depositada junto ao teclado de uma colega que, entretanto, se encontrava igualmente a depositar outro tipo de matéria, esta orgânica, numa das muitas casas de banho do sumptuoso edifício laboral. A propósito, ninguém está a salvo naqueles cubículos; os sensores não detectam sinais de movimento e, muitas vezes, vemo-nos completamente às escuras, rezando para que alguém entre e nos ilumine. Aquando do seu regresso, o seu sorriso 33 - foda-se, lá estou eu outra vez! - não engana ninguém. O asco é evidente e só me provoca uma gargalhada contida. Sim, admito, deste puto que não sei o que é rir a bandeiras despregadas. Todavia (bela palavra), isso não me leva a não saber contemplar (outro belo espécime da Língua Portuguesa) com profundidade ocorrências humorísticas. Da mesma porta que referi há pouco, dou por mim a aplaudir mentalmente a artista convidada da sitcom. Com relativa facilidade, proponho baptizar a produção de baixo orçamento, na qual sou mero figurante; a saber: Jornalistas do Riso, Atrofiados na Redacção ou, então, Isto é Só Rir e Comer Bolachas. No uso desta última sugestão teria de pagar direitos de autor a um amigo meu, fotógrafo e inveterado lambedor de snisgas. Peço desculpa, mas é melhor snisga do que boceta ou, simplesmente, cona. Voltando à película de actualização semanal, e à entrada triunfante da funcionária do Piso -1, tenho mais dois dedos de conversa para gesticular. Sublinho o disparo com que esta personagem invade a minha atenção. Penetra rápido e em dois passos coloca-se junto às secretárias que formam um anfiteatro industrial. Nas mãos tem dois objectos, aos quais chama de figuras geométricas. "Figuras geométricas o caralho", retorque o sindicalista activo que, por contradição da ordem natural hierárquica é - vejam só! - meu chefe. Isso pouco importa. O que interessa é que sou uma estrela da televisão portuguesa.

Comentários

  1. Sim! Esta redacção tem um quê de alternativa! Gostei particularmente do termo "snisga", e já agora, proponho um nome para a sitcom: "Jornaletes"... Venham de lá esses textos zorzianos...

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  2. Definitivamente, estás todo fodido da cabeça... E pensar que há gente a morrer de fome...

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  3. Toda a merda que fazemos é, efectivamente, o adubo das nossas vidas!

    Cumprimentos agricultor

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  4. Insanamente brilhante... e tão fiel à realidade que melhor só mesmo uma fotografia!
    Bem-vindo sejas... A loucura só agora começou!

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